Bispos da Amazônia 10º Encontro
Santarém segunda-feira, 02 de julho, 10º Encontro dos Bispos
da Amazônia. O evento reúne cerca de 40
bispos dos estados do Pará, Amapá, Amazonas, Rondônia, Roraima, Acre, Mato
Grosso, Maranhão, Rio Grande do Norte, além dos coordenadores de pastoral,
leigos e religiosas das Dioceses e das prelazias desses Estados.
O Secretário Geral da CNBB, Dom Leonardo Steiner, e o presidente da Comissão Episcopal para a
Amazônia, Dom Claudio Hummes também
presentes no encontro.
Segundo declarou padre Luiz
Pinto, “a historia das linhas prioritárias para a pastoral da Amazônia teve
seu inicio por ocasião da reunião realizada no Rio de Janeiro, em 1971, quando
os bispos dos regionais Norte I e II reuniram-se para pensar uma ação pastoral
conjunta para a Amazônia. Era época da ditadura militar, época difícil e
sofrida, quando o trabalho de evangelização exigia sensibilidade para bem
discernir os sinais dos tempos diante das novas frentes abertas pelas
iniciativas dos assim chamados grandes projetos (Jari, Carajás, Trombetas,
Transamazônica, Hidrelétricas do Curuá-Una, Balbina, Tucuruí, entre outros).
Celebração eucarística às 18 horas, na Igreja Matriz de
Nossa Senhora da Conceição.
A celebração foi presidida pelo arcebispo de Belém, Dom Alberto Corrêa Taveira, e
co-celebrada pelos demais bispos dos Regionais Norte 1, Norte 2 e Noroeste da
CNBB.
Dom Esmeraldo,
arcebispo de Porto Velho, um dos
coordenadores do encontro, deixou como mensagem inicial, a leitura dos Atos dos
Apóstolos, quando Pedro vai visitar a família de Cornélio.
Logo após os bispos seguiram para o Seminário São Pio X, onde aconteceu as 19h30 o Jantar e a acolhida aos
participantes pela Comissão Episcopal da Amazônia.
Em suas primeiras palavras, o presidente da Comissão
Episcopal para Amazônia, Cardeal Dom
Cláudio Hummes, manifestou apoio da Comissão aos seus irmãos do episcopado
da Amazônia e ressaltou que a palavra chave neste encontro é “confiar na ação
do Espírito Santo que as luzes
virão”. E concluiu: “Estou aqui mais para ouvir, aprender e admirar o trabalho
da Igreja nesta imensa região”.
Dia 03 de julho TERÇA FEIRA
Os
bispos da Amazônia, iniciaram o segundo
dia do 10º Encontro com celebração eucarística na capela do Seminário São Pio X.
Presidida por Dom
Luiz Soares Vieira, arcebispo de Manaus, a celebração destacou a vida da
caminhada pastoral nas práticas das comunidades de base que muito contribuíram
para os movimentos sociais.
Houve destaque para o testemunho de Dom Moacir Crecchi, arcebispo emérito de Porto Velho, considerado
uma das vozes proféticas na Amazônia.
Destacando o entendimento que antes se tinha sobre a missão,
Dom Moacir disse o seguinte: “Nós tínhamos a sensação que éramos terra de
missão e os missionários deviam vir de fora para nos ajudar. Não tínhamos a
ideia de que nós também somos missionários e que devemos colaborar com a missão
no mundo inteiro”.
Considerando o documento de Santarém, elaborado há 40 anos,
o arcebispo emérito de Porto Velho destacou que “Foi aqui que surgiu nossas
quatro primeiras prioridades que depois foram migrando para a Igreja em todo o
Brasil”, representando um marco para a igreja no país.
Após a celebração, os bispos iniciaram os trabalhos,
primeiro fazendo uma retrospectiva do Documento de Santarém, e em seguida a
análise de conjuntura da região, discutindo sobre a realidade socioeconômica da
Amazônia.
Os trabalhos desta manhã continuam até o meio dia. Às 14h os
coordenadores do encontro vão atender à imprensa em uma entrevista coletiva.
O assunto principal da primeira coletiva oficial concedida à imprensa na tarde desta terça-feira, 03, no Seminário São Pio X, foi os problemas enfrentados pelas populações da Amazônia com os grandes projetos, que além de causarem grande impacto ao meio ambiente, geram lucros para alguns e provocam inúmeros impactos sociais negativos nas cidades onde estão instalados.
A entrevista foi concedida por Dom Jesus Maria Berdonces,
bispo da prelazia de Cametá e presidente do Regional Norte I; Dom Mosé João Pontelo,
bispo da Diocese de Cruzeiro do Sul e presidente do regional Noroeste; Dom
Roque Paloschi, bispo da Diocese de Roraima e presidente do Regional Norte 1 e
Monsenhor Raimundo Possidônio, coordenador de Pastoral da Arquidiocese de Belém
e historiador.
Dom Jesus Maria Berdonces afirmou que a Amazônia é tida até
hoje como uma colônia, aonde as pessoas vêm, pegam a matéria prima, enriquecem
e vão embora. “Esse é um modelo capitalista pautado pelo governo para a
Amazônia, que não leva em conta o povo que aqui mora. “A igreja defende o
incentivo à agricultura familiar, defende que os lucros das riquezas (minerais
e vegetais) sejam deixados na Amazônia, e que os povos sejam ouvidos”.
Já Dom Roque Paloschi destacou que a questão é saber quem está usufruindo dos lucros desses grandes projetos, que além de terem as bênçãos do governo, são financiados com o dinheiro público.
Dom Roque defende o respeito à biodiversidade, a
participação de homens e mulheres amazônidas, que possuem a sabedoria milenar e
tradicional de cuidar do meio ambiente sem agredi-lo. Ele espera que o encontro
de Santarém provoque uma verdadeira reflexão.
Dom Mosé João Pontelo afirma que os problemas estão aí, e
isso requer responsabilidade dos pastores, que são lideres dessa igreja.
Dom Jesus Maria acredita que os bispos têm a
obrigação de tentar iluminar a caminhada com a Palavra de Deus, mas também
assumir o desafio e o povo da Amazônia.
Dia 04 de julho QUARTA FEIRA
Nesta manhã, (04), na celebração Eucarística do, Dom Erwim Kräutler, bispo do Xingu, deu seu
testemunho de vida e atuação na Amazônia.
“A Igreja tem a
missão de anunciar e comunicar o amor de Deus a todo o ser humano e a todos os
povos. Eu me inclino diante de mulheres e homens que com sua mística baseada na
meditação e na Palavra de Deus deram sua vida, mesmo correndo o risco de perdê-la,
por causa do Evangelho”. E por fim, com firmeza e serenidade, fez suas as
palavras do texto bíblico da carta aos Romanos, capítulo 8:
“Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, a
angústia, a perseguição, a fome, a nudez, os perigos, a espada? Em tudo isso
somos mais que vencedores graças Àquele que nos amou. Estou convencido que nem
morte, nem a vida, nem anjos, nem principados, nem o presente, nem o futuro,
nem poderes, nem altura, nem profundidade, nem nenhuma outra criatura nos pode
separar do amor de Deus, manifestado em
Jesus Cristo Senhor nosso. Amém!, concluiu o bispo.
E em uma só voz a Igreja presente cantou: “Quem nos
separará, quem vai nos separar do amor de Cristo, se Ele é por nós, quem será
contra nós? Quem vai nos separar do amor de Cristo?
A prefeita de Santarém, Maria do Carmo Martins, esteve na
tarde de hoje, 04 de julho, com os participantes do 10º Encontro dos bispos da
Amazônia.
Ao fazer seu pronunciamento, destacou que refletir a
Amazônia é muito importante. E se há 40 anos, o papa Paulo VI, dizia que
“Cristo apontava para Amazônia”, é necessário reunir para identificar o que a
região ganhou ao longo desses anos.
Para a prefeita de Santarém, Maria do Carmo Martins, refletir a Amazônia não é fácil. “Aqui na
Amazônia tudo é superlativo. As distâncias são grandes, a população é muito
sofrida, mas ao mesmo tempo engajada, organizada e sabe o que quer. É um povo
que tem uma grande fé em Deus, mas também acredita no futuro ao tentar
respeitar a questão ambiental, e tudo isso deve ser levado em consideração na
hora de uma reflexão. E eu tenho certeza de que, quem ganha com este encontro
não é só a Amazônia, é o Brasil inteiro”, finalizou.
Dia 05 de julho QUINTA FEIRA
Dom Leonardo Steiner,
secretário geral da CNBB, em sua saudação aos participantes do encontro,
destacou que é sempre bom, numa conferência tão grande poder olhar e dizer que
os leigos, os padres e os bispos da Amazônia ajudam a dar testemunho vivo do
Evangelho, sendo presença pobre, simples, generosa e gratuita de Deus no meio
dos povos desta região. São pessoas que vieram anunciar a boa nova com amor e
dar testemunho de vida.
Destacou que as experiências missionárias realizadas na
Amazônia precisam ser levadas adiante e multiplicadas, para que no futuro mais
pessoas estejam disponíveis a realizar o trabalho na região. “O nosso espírito
missionário na igreja no Brasil ainda precisa crescer muito. Lembrou ainda que
“a igreja da Amazônia precisa de muita gente; homens e mulheres, que realmente
estejam dispostos a dar à vida pelos irmãos; e para isso é preciso uma
liberdade evangélica de vir e servir”.
Agradeceu a oportunidade de estar participando de um
encontro tão importante para Igreja na Amazônia, de onde sairão propostas para
um trabalho cada vez mais profético.
Irmã Henriqueta
Cavalcante, coordenadora da CJP do Regional norte 2, que tem realizado um
trabalho incansável de denúncia crimes de
violência sexual contra crianças e adolescentes e o tráfico de mulheres crescentes nos Estados do Pará e Amapá e cobra punição aos envolvidos nesses crimes, a
Comissão de Justiça e Paz (CJP). Ela é uma das religiosas que participa do 10º
Encontro da Igreja da Amazônia em Santarém, e que entendeu perfeitamente o eixo
central do documento que é encarnar na realidade da Amazônia.
A religiosa acredita que hoje só é possível encarnar na
realidade quem realmente assume o projeto de Deus, que é defender a vida das
pessoas.
“Esse tem sido o nosso esforço dentro da Comissão de Justiça
e Paz. E eu, como mulher consagrada, vivo integramente, 24 por dia em prol da
defesa da vida, principalmente daqueles
e daquelas, que nos procuram e clamam por justiça, já que nós também vivemos
num Estado marcado pela cultura da impunidade, onde a justiça só acontece para
uma minoria”, finalizou.
Por conta de seu trabalho, irmã Henriqueta Cavalcante está
ameaçada. Mas quem pensa que esse foi um motivo para sua desistência, se
engana. Ela afirma que tem muita clareza da opção que fez.
Em tom de Coragem e firmeza, a religiosa afirma: “Eu fiz uma
opção pela vida religiosa, eu fiz opção de colocar a minha vida toda à serviço
do reino de Deus, e hoje nada mais me faz desistir dessa luta.
Cheia de esperança para com a caminhada da Igreja, Irmã Maria Mendes, religiosa natural do
Estado de Rondônia, representa a CRB nacional no 10º Encontro dos Bispos da
Amazônia, em Santarém/PA. Para ela, celebrar 40 anos do Documento de Santarém é
atualizá-lo frente aos desafios que a região e o mundo enfrentam no contexto
atual.
Ela destaca que a CRB sempre tem caminhado em sintonia e parceria com a CNBB, ouvindo o que os
bispos tem a dizer sob o impulso do Espírito de Cristo para assumir os desafios
desta imensa região cheia de desafios a serem superados com fé, esperança e
caridade.
A irmã acredita que “em seu projeto intercongregacional, a
CRB se faz presente aqui para ouvir, para escutar, quais são os desafios e as
esperanças do povo, para que juntos aos pastores do povo de Deus se possa fazer
e trilhar o caminho eclesial”, um caminho que mantenha clara a evangélica opção
preferencial pelo empobrecidos e marginalizados, quando todos e todas assumem o
compromisso de Jesus: a construção do Reino de Deus entre nós.
Decantando as belezas naturais de Santarém (PA), o cantor e
cardiologista, João Otaviano, abriu
o momento cultural do 10º Encontro da Igreja na Amazônia. A música “canção da minha saudade” foi a
primeira ouvida pelo anfitrião do encontro dos bispos em 1972, Dom Tiago Ryan,
ao chegar a Santarém, em 1943.
Os participantes do encontro tiveram a oportunidade de ouvir
canções da cidade e apreciar a apresentação dos jovens do grupo “Bailado de Carimbó”, da Paroquia de Nossa Senhora do Rosário, no bairro do
Santarenzinho. O grupo trabalha com jovens em situação de risco e é acompanhado
pela Congregação do Verbo Divino.
Para fechar a noite, a cantora santarena, Cristina Caetano, no ritmo do carimbó,
apresentou através da música “Esse rio é minha rua”, uma das realidades amazônicas: o uso do rio
como meio de ida e vinda entre as cidades.
No final houve sorteios e os bispos receberam um exemplar do
livro “O Missionário do Tapajós”, comemorativo ao centenário de nascimento de Dom Tiago Ryan.
Dia 06 de julho SEXTA FEIRA
Bispos da Amazônia
reafirmam compromisso e opção pelos pobres.
Compromisso e opção pelos pobres. Esse é um dos principais
resultados do 10º Encontro da Amazônia em Santarém, anunciado previamente
durante entrevista coletiva na tarde desta sexta-feira, no seminário São Pio X.
Participaram da coletiva, Dom Cláudio Hummes, da Comissão
Episcopal para a Amazônia, Dom Leonardo Steiner, secretario geral da CNBB, Dom
Esmeraldo de Farias, arcebispo de Rondônia e Pe. Luiz Pinto, administrador da
Diocese de Santarém.
Além da opção pelos pobres, os bispos destacaram que durante
o encontro, foi reafirmado o compromisso de realizar um trabalho evangelizador,
missionário, samaritano de todos os batizados.
Destacaram ainda a preocupação com a formação de padres,
religiosos (as) leigos(as) para que aprofundem ainda mais a sua experiência de
vivencia cristã.
Segundo Dom Esmeraldo de Farias, as comunidades precisam ficar não só agir
naquilo que é necessário para a própria comunidade, mas abrindo–se ao trabalho,
seja no campo eclesial, de ajudar na evangelização da catequese, mas também no
campo social.
Pretendem continuar buscando o diálogo com os governantes,
pois sentem a ausência do Estado. Eles reforçam a necessidade de uma presença
mais efetiva, sobretudo na promoção da vida, combatendo à violência, o tráfico
e uso de drogas, e o trabalho escravo.
Necessidade de fortalecimento das Comunidades Eclesiais de
Base. Dom Cláudio lembrou que as CEBs foram, durante décadas, a grande força de
resistência contra toda forma de opressão. “se queremos de fato trazer as
pessoas a Jesus Cristo, temos que ajudá-las a vivenciar sua fé numa comunidade,
pois ninguém faz o caminho sozinho para Deus”.
O documento final, 19h30,
na Igreja do Santíssimo Sacramento.
Cerca de 1.200 pessoas lotaram a igreja do Santíssimo
Sacramento, em Santarém (PA), no encerramento do 10º Encontro dos Bispos da
Amazônia, que celebrou os 40 anos do Documento de Santarém. Os bispos
reafirmaram na celebração a tônica do documento que ratifica o compromisso da
Igreja com os povos da Amazônia e a defesa da ecologia.
“A Amazônia continua sendo um apelo à Igreja, um lugar
permanente de missão”, sentenciou Dom
Cláudio Hummes, cardeal presidente da Comissão Episcopal para a Amazônia
que presidiu a celebração. Segundo ele, a região, por suas características
próprias, requer uma atitude profética da Igreja, sobretudo considerando que
estas terras sempre foram vistas como uma fonte de riquezas exploradas continuamente.
O profetismo, disse o cardeal, exige atitudes que estão
relacionadas à promoção humana. “A promoção humana faz parte da evangelização e
para que isso aconteça é necessário combater toda forma de opressão sobre o
povo”.
A celebração teve um tom festivo, com elementos simbólicos
evidenciando as características da região, pelo desfecho do evento histórico.
O documento firmado
pelos bispos 40 anos atrás, via
profeticamente o que viria a acontecer no futuro próximo. A visão da igreja da época veio a se consolidar com a exploração da
Amazônia e de seus povos.
O documento final do
10º encontro dos Bispos – no formato de carta ao povo – foi lido na
celebração pelo arcebispo de Manaus, Dom
Luís Soares Vieira, destacando o compromisso
missionário, profético e com os povos da região. O documento oficial será
publicado posteriormente.
Carta dos bispos ao Povo de Deus, na íntegra.
Irmãs e irmãos caríssimos em Cristo Jesus; Povo de Deus na
Amazônia,
“Não tenha medo,
cotinue a falar e não se cale, pois eu estou contigo“ (At 18,9)
“Cristo aponta para a
Amazônia“ lembrava o Papa Paulo VI aos bispos da Amazônia por ocasião de
seu encontro em Santarém, de 24 a 30 de maio de 1972, marco indelével na
história da Igreja desta grande região brasileira, habitada por povos de
culturas e tradições tão diferenciadas do outro Brasil.
Expressamos nossa gratidão ao Deus da vida porque nestes 40
anos, não obstante nossas fragilidades, nossa Igreja tem anunciado Jesus Cristo
ressuscitado, caminho, verdade e vida e tem marcado presença junto ao povo
sofrido, sendo muitas vezes a voz dos povos indígenas, ribeirinhos,
quilombolas, seringueiros e migrantes, nas periferias e em novos ambientes do
centros urbanos animando as comunidades na reivindicação do respeito pela sua
história e religiosidade. É também a vida destes povos, seu modo de viver, sua
simplicidade, seu protagonismo, sua fé que nos encantam! Não faltou o
testemunho de entrega da própria vida até o derramamento de sangue. Este
testemunho nos anima, nos encoraja e nos fortalece. São também protagonistas
religiosos e religiosas, pastorais, movimentos e serviços que tem sido uma
força viva e atuante na realidade das nossas comunidades.
Constatamos avanços no campo social e político, com novos organismos de
participação, conselhos de políticas públicas, participação nas campanhas por
leis mais justas, aumento da consciência e engajamento na questão ecológica. No
campo econômico, cresce o consumo e o poder aquisitvo embora nem sempre
acompanhado do aumento da qualidade de vida. A vida na Amazônia continua
sofrida.
Há séculos os povos da Amazônia gemem e choram sob o peso de
um modelo de desenvolvimento que os oprime e exclui do “banquete da vida, para
o qual todos os homens e mulheres são igualmente convidados por Deus“ (SRS 39).
A Igreja ouve os gritos, às vezes desesperados, e se identifica com o seu
clamor, conhece o seu sofrimento. Mais ainda, a Igreja declara que “as alegrias
e esperanças, as tristezas e as angústias dos homens e mulheres, sobretudo dos
pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças,
as tristezas e angustias dos discípulos de Cristo“ (cf. GS 1).
As decisões sobre o desenvolvimento da Amazônia sempre são
tomadas a partir de fora e visam unica e exclusivamente a exploração das
riquezas naturais sem levar em conta as legítimas aspirações dos povos desta
região a uma verdadeira justiça social. Quando Paulo VI declarava que “o
desenvolvimento é o novo nome da paz“ (PP 87), não pensava num “crescimentismo“
meramente econômico, unilateral e excludente, mas convidava a todos os povos da
terra a empenhar-se por um mundo justo, fraterno e solidário, na perspectiva do
Reino que Jesus veio a anunciar “para que todos tenham vida“ (Jo 10,10).
Como quarenta anos atrás, a Amazônia continua sendo
considerada a “colônia“, mesmo que abranja mais da metade do território
nacional. Para a metrópole – Brasília, o sudeste e o sul do País – Amazônia é
apenas “província“, primeiro província madeireira e mineradora, depois a última
fronteira agrícola no intuito de expandir o agronegócio até os confins deste
delicado e complexo ecossistema, único em todo o planeta. De uns anos para cá a
“província“ recebeu mais um rótulo, sem dúvida o mais desastroso, pois
implicará a sua destruição programada, haja visto o número de hidrelétricas
projetadas para os próximos anos: a Amazônia é declarada a província
“energética“ do País. Sob a alegação de gerar energia limpa se esconde a
verdade de que mais florestas sucumbirão, mais áreas, inclusive urbanas, serão
inundadas, milhares de famílias serão expulsas de suas terras ancestrais, mais
aldeias indígenas diretamente afetadas, mais lagos artificiais, podres e mortos,
produzirão gases letais e se tornarão viveiro propício para todo tipo de pragas
e geradores de doenças endêmicas.
A história da Amazônia revela que foi sempre uma minoria que
lucrava às custas da pobreza da maioria e da depredação inescrupulosa das
riquezas naturais da região, dádiva divina para os povos que aqui vivem há
milênios e os migrantes que chegaram ao longo dos séculos passados.
Santarém 1972:
Encarnação na Realidade e Evangelização Libertadora
Como já em 1972, os bispos reunidos em Santarém de 2 a 6 de
julho de 2012 não detectam apenas os mecanismos perniciosos responsáveis pela
miséria dos povos e a devastação das florestas, mas os denunciam como
responsáveis de gerar “ricos cada vez mais ricos às custas e pobres cada vez
mais pobres“ (João Paulo II, Discurso inaugural de Puebla, 28 de janeiro de
1979) e de um meio-ambiente cada vez mais deteriorado. O “lar“ (em grego
“oikos“ – daí a palavra “ecologia“) que Deus criou para todos nós não pode ser
explorado até a exaustão, mas exige cuidado, zelo, amor, também em vista das
futuras gerações. Os cientistas alertam sempre mais que a devastação da
Amazônia terá consequências irreversíveis para o clima do planeta e se torna
assim uma ameaça à vida e sobrevivência de toda a humanidade.
Em 1972 os bispos da Amazônia já identificaram graves
feridas neste mundo de selvas e águas que atingiram violentamente os povos
originários e tradicionais da região. Como 40 anos atrás, também hoje os bispos
se entendem como mensageiros dos povos da Amazônia, profetas que vivem numa
grande proximidade com Deus e ao mesmo tempo sintonizados com os acontecimentos
históricos, homens de fé que „vêm da grande tribulação“ (Ap 7,14). Nestes
nossos tempos, as feridas se tornaram chagas abertas que perpassam e sangram a
Amazônia de fora a fora, causando cada dia mais vítimas fatais.
As prioridades da ação pastoral e evangelizadora apontadas
em 1972 continuam atualíssimas. Até hoje uma formação adequada à essa região
para ministros ordenados, mas também para leigas e leigos que dirigem as
comunidades, é fundamental. Importa encarnar a Igreja no chão concreto da
Amazônia. Quem exerce um ministério, ordenado ou não, participa do pastoreio de
Jesus e está a serviço de seus irmãos e irmãs e quer exercê-lo na simplicidade
do lava-pés e numa proximidade fraterna ao Povo de Deus.
As Comunidades Cristãs ou Eclesiais de Base tão recomendadas
no Documento Santarém 1972 são expressão de uma Igreja viva e comprometida.
Como os bispos já afirmaram em Manaus (2007), elas constituem um dom especial
que Deus concedeu à Igreja na Amazônia. São obra do Espírito Santo. O que o
Documento de Aparecida afirma, aplica-se de modo especial à Amazônia. As CEBs,
diz o documento, “têm sido escolas que têm ajudado a formar cristãos
comprometidos com sua fé, discípulos e missionários do Senhor, como o
testemunha a entrega generosa, até derramar o sangue, de muitos de seus
membros” (DAp 178). As CEB’s são também uma resposta válida e empolgante para o
mundo urbano como resposta ao individualismo e a superficialidade do
consumismo. Nas CEBs se vive a dimensão samaritana da compaixão ativa e
interajuda, de um coração e mãos abertas para quem sofre ou passa necessidade,
mas também a dimensão profética de anunciar continuamente a utopia do Reino e,
ao mesmo tempo, denunciar todos os mecanismos e estruturas que impedem a
chegada do Reino. É exatamente esta dimensão profética que gerou as e os
mártires da Amazônia. As CEBs constituem-se em família das famílias onde todos
se conhecem e querem bem, mas são também centros de oração e meditação da
Palavra de Deus para nutrir a mística profunda da vivência na proximidade de
Deus. Ele mesmo se revelou como um Deus-conosco e assegurou aos profetas,
apóstolos, discípulas e discípulos: “Eu estarei contigo“ (cf. Ex 3,14; Js 1,9;
Jr 1,19; At 18,9-10). Afinal “se Deus está conosco, quem será contra nós“ (Rom
8,31).
Santarém 1972 assume a questão indígena como causa de toda a
Igreja na Amazônia. Lembra que no mesmo ano por iniciativa dos bispos, mormente
dos da Amazônia, foi fundado o Conselho Indigenista Missionário – Cimi.
Os bispos talvez não imaginavam quarenta anos atrás o imenso
apoio que sua decisão significava aos direitos e à sobrevivência de dezenas de
povos indígenas na região amazônica que, sem o empenho intransigente da Igreja,
teriam desaparecido. A presença solidária e o apoio incondicional à luta por
seus direitos foi fundamental para que hoje a maioria dos povos indígenas da
região tenha suas terras demarcadas. Foi também de enorme importância gerar uma
consciência de respeito e valorização dos povos, suas culturas e seus projetos
de “Bem Viver“. Dezenas de povos saíram do silêncio em que foram forçados a se
ocultar para sobreviver. Ressurgiram das cinzas e estão lutando pelos seus
direitos e suas terras. Alem disso a atuação corajosa dos missionários, selando
seu compromisso através do sangue derramado pela vida desses povos, propiciou o
surgimento de articulações e organizações dos povos indígenas, essenciais para
a conquista de seus direitos e sua autonomia.
Os riscos de extermínio de vários grupos indígenas em estado
de isolamento voluntário, exige um renovado compromisso com a sobrevivência de
milhares de vidas e povos ameaçados de extinção.
Na perseverança
salvareis vossas vidas (Lc 21,19)
Deparamo-nos hoje com uma verdadeira enxurrada de grandes
projetos que os Governos querem implantar, seguindo a estratégia do “fato
consumado“. Não há discussão, nem consulta popular que merecesse este nome.
Decide-se e executa-se. Oponentes são criminalizados ou taxados de inimigos do
progresso. Também os ribeirinhos, seringueiros, quilombolas, e outros povos
tradicionais sofrem pela falta de recohnecdimento de suas terras.
A ética na política prometida à nação e esperada pelo povo
brasileiro cedeu lugar a uma sequencia ininterrupta de escândalos de corrupção
em todos os níveis governamentais.
Somado a
estes desafios nos deparamos com a emergência do fenômeno urbano, com o inchaço
nas periferias das grandes cidade, exploração sexual, tráfico de pessoas e de
drogas, violência. Em vez de investimentos em políticas públicas de saneamento
básico, saúde, educação e segurança, o Estado prioriza políticas
compensatórias, apoia e incentiva o grande capital, investe na construção de
estádios monumentais e outras obras faraônicas.
“Podem roubar-nos tudo, menos a esperança” (D.
Pedro Casaldáliga). No caminho de “Santarém”, novamente nos lançamos nas
estradas e rios, nas aldeias e quilombos, nos interiores e periferias das
cidades, nos grandes centros urbanos desta imensa Amazônia, abraçando a Missão
que nos foi confiada, comprometidos com toda a criação e na busca de sermos
autênticas comunidades de fé alimentadas pela Palavra e pela Eucaristia. Nesta
hora da história o nosso coração às vezes, se angustia por causa de tantas
dificuldades que nos desafiam, aparentemente insuperáveis; no entanto,
continuamos a ser chamados e enviados como missionários e profetas para
alimentar a esperança, como âncora firme e segura (cf Hb 6,19), de um mundo
novo, inaugurado por Jesus Cristo Crucificado e Ressuscitado.
Por Joelma Viana,
Ercio Santos, Everaldo Cordeiro, Ormano Sousa.
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